domingo, 5 de outubro de 2014

Capítulo Quarto

- Hey. Acorde. - Uma voz sussurrava em meu ouvido. Meus olhos demoraram um pouco para se acostumar com a luz e a primeira coisa que vi foram olhos verdes muito próximos de mim.
Ajeitei-me no meu assento, o corpo todo dolorido. Olhei bem a frente de nós, em direção ao pequeno centro da cidade e notei movimentação.
- Que horas são? - Perguntei mais pra mim mesmo do que pra uma cobra e uma garota medrosa. - Hn. Sete e quarenta e três. Está acordada desde que horas?
- Não sei. - Claro, ela não tem relógio - Mas faz um bom tempo.
- E por que não me acordou antes?
- Você parecia estar sonhando e achei que devesse descansar.
- Da próxima vez, não “ache”. Você me irrita. - Disse grosseiramente - Vamos. - Me virei para Nara - Fique aqui e não deixe ninguém ver você.
Fomos andando devagar até as lojas do centro da cidade. A garota me seguia de cabeça baixa.
Entramos em uma loja qualquer de roupas. A atendente veio até nós, sorridente. Eu conhecia esse tipo de sorriso.
- O senhor precisa de alguma ajuda? - Ela passava a mão nos cabelos, em uma tentativa frustrada de flerte.
- Eu não, ela precisa. - Apontei para a garota que decidiu se enfiar atrás de mim, acanhada como sempre.
Deixei ambas ali na recepção da loja e fui me sentar em uma cadeira. A garota me seguiu:
- Por que me trouxe até aqui?
- Bem, eu acho que isso aqui é uma loja de roupas. - Não era óbvio? - Eu não tenho tempo a perder com você. Use todo o seu dinheiro para comprar roupas decentes. Depois, a gente vai parar em algum lugar pra você almoçar.
- Você não...
- Olha, sério. Não me faz perder tempo explicando porque te trouxe aqui. Mas se quer mesmo uma resposta rápida, você está ridícula com essa vestimenta. Está chamando muita atenção e eu quero evitar isso.
Ela concordou, como sempre com um aceno e foi escolher algumas roupas. Eu olhava o movimento da rua, inerte a qualquer outra coisa.
A menina chegou até mim, com várias sacolas. Puxa, ela escolheu rápido.
Saímos do estabelecimento, sentindo o olhar insistente da vendedora em mim.
- Irritante. - Praguejei baixo, comigo mesmo.
Puxei as sacolas da mão da garota.
- Você quer tomar seu café da manhã aonde, garota?
- Me chame de Sam.
- Não. - Decidi por mim mesmo escolher o lugar.Então fomos a uma pequena padaria ali mesmo e ao chegar, Fiz o pedido de quatro coxinhas de frango e dois sucos de laranja. Ótimo café da manhã para começar o dia.
Sentei em uma mesa e ela sentou-se na minha frente. Sua expressão era... Raiva?
- Não vai me chamar pelo meu nome? - Pegou uma coxinha, comendo metade de uma só vez. E olha que esse salgado era grande.
- Seu nome não é Sam. É Samantha. E não pretendo ter vínculos com você. Chamá-la de garota, menina ou qualquer palavra popular vai me impedir de cometer erros futuros.
- Tudo bem. Se você não me chamar do jeito que eu lhe pedi, vou ser obrigada a te chamar de - Ela se aproximou, como se fosse uma criança querendo contar um segredo malvado - Kaleb!
Suspirei pesadamente. Essa menina está querendo brincar com a sanidade de um assassino, é isso? Desgraçada.
- Tudo bem garota, chame-me como quiser. - Afinal, me chamar de “Hunter”, no meio de um monte de gente não seria uma boa ideia.
Ela já estava acabando a segunda coxinha e eu ainda estava na metade da primeira.
- Tá com fome, fique com essa. - Empurrei meu prato com minha segunda coxinha e sem dizer nada, a pegou e literalmente, devorou-a.
Voltamos para o carro, onde Nara ainda dormia tranquilamente.
- Está com fome Nara? - Nem se deu ao luxo de responder, parecia que estava mais com sono. - Enfim, teremos no mínimo dois dias de viagem. E eu quero ter uma viagem tranquila. - Me virei incitando a indireta para a garota, Samantha.
- Defina tranquila...
- Sem escutar a sua voz.
Ela acenou e se virou para a janela. Ótimo, não olharia para aqueles olhos por um ótimo tempo.
Assim que liguei o carro, minha alegria acabou.
- Hey, por que tudo isso de viagem?
- Seria impossível viajarmos de avião por causa de Nara. Que pessoa em sã consciência leva uma cobra pro aeroporto? Além disso, quero fazer uma viagem segura e sem vestígios. Então, cala logo a boca e não me olhe com esses malditos olhos pelas próximas horas.
- Tá...
Em menos de quatro horas, a garota ficou loucamente apertada pra ir ao banheiro. Por sorte, chegamos rapidamente em um posto de gasolina. Nara saiu do carro, sem que ninguém visse, provavelmente para caçar. Fui ao banheiro, percebendo que, por todos os meus anos de experiência, estava fedendo a morte.
Aquilo começou a ficar estranho. A loja de conveniência estava cheia de mercadorias, mas em um dia comum e em um horário comercial, estava fechada. E não havia uma alma no posto.
Saí apressadamente do banheiro e a garota Samantha veio correndo em minha direção. Me abraçando.
- Me larga! - A notei chorando - O que foi dessa vez?
- Uma menina, tem uma menina lá dentro.
- Claro que tem, é um banheiro feminino.
- Ela está morta.
A puxei pelo braço e fui até o banheiro feminino. O cheiro de morte era muito mais forte ali. Parecia que estava há um tempo nesse lugar.
Então eu vi algo que me chocou. Não foi o corpo de uma garota que provavelmente era a atendente da loja de conveniência, nem a forma como fora mutilada. O que eu vi foi a cabeça da prostituta que eu havia matado na noite passada.

Capítulo Terceiro

Desliguei o celular.
- Mas que droga! - Disse alto em tom de fúria. Isso chamou a atenção de Nara, que logo estava perto de mim. - Ele está aqui perto, Nara. - Virei-me pra ela, que entendeu o que quis dizer.
Conheci Nara quando fui adotado por um homem rico, depois da morte da minha mãe. Ele sempre estava viajando e uma vez me disse que me traria algo tão raro quanto meus olhos. E a trouxe. Claro, com 14 anos de idade, senti muito medo daquel réptil, que tinha apenas 80 cm, na época. Agora ela está com 10 metros e 90 de diâmetro, com um guizo enorme. A grossura de seu corpo às vezes me assusta. Ela é branca como a neve e seus olhos mais negros que a escuridão. Apesar de todo esse tempo junto a mim, eu sempre fiquei fascinado ao ver seus olhos mudarem de cor quando captura uma presa. Ela é linda e astuta. Na verdade, foi o melhor presente que já ganhei.
- Por que não o matei quando tive a chance? - Nara chacoalhou sua cauda e saiu do cômodo. Saí também e fui até a sala, sentando de qualquer jeito no sofá, pra pensar em outra coisa, que não fossem os problemas.
A garota!
Fui até seu quarto, disposto à acordá-la. Para minha surpresa, ela não tinha dormido, como havia lhe ordenado. Ela olhou pra mim e me sentei ao seu lado. Suas roupas ainda eram aquelas em que a encontrei na noite anterior. Saí rapidamente do quarto pegando uma toalha e uma camiseta qualquer e voltei até ela, jogando tudo em sua cama.
- Não é grande coisa, mas pelo menos você não vai ficar cheirando a lixo. - Ela apenas olhou o que joguei na cama e voltou a olhar pro chão. - Levante-se e tome logo um banho. Depois eu preciso conversar com você.
- Tudo bem. - Ela se levantou, pegou a camiseta e a toalha e saiu, indo para o banheiro.
Quinze longos minutos depois ela já estava vestida. Minha camiseta lhe servira como uma camisola bem curta. Sentei-me novamente do seu lado.
- Fale-me sobre o homem dos olhos raros.
- Eu... Eu tinha três anos. Apesar da idade, lembro-me de tudo. - Ela se encolheu, na cama - Eu o vi me pegar no colo enquanto mamãe e papai choravam, sentados na sala. Ele brincou comigo e olhou bem pra mim, me fazendo ficar hipnotizada por olhos tão belos. - Ela olhou pra mim e se retraiu, talvez lembrando que eu disse para nunca mais dizer o quanto esses olhos eram bonitos, para ela. - Então, ele matou meu pai primeiro. Eu comecei a chorar, sem saber o que estava realmente acontecendo, vendo meu pai imóvel na sala. Minha mãe começou a gritar e foi pra cima do homem dos olhos raros... Ela queria me tirar de seus braços. Então, ele me fez deitar em seu ombro, para não ver a morte da minha mãe. Eu chorava freneticamente enquanto ele dava o estrondoso tiro. Depois disso, não lembro o que aconteceu. Na minha próxima lembrança, eu já morava no quarto de um motel aqui perto. Uma prostituta cuidava de mim às vezes, quando ela não estava na prisão. Ela não era uma pessoa muito boa, apenas dizia que eu era muito parecida com ela quando mais jovem. Ela foi assassinada quando eu tinha dezesseis anos e a partir daí, tive que trabalhar para me sustentar sozinha.
- Hn. - Ela se encolheu novamente. - Você tem tanto medo de mim assim?
- Seus olhos me dão medo. E se você for como ele? Que poderia me matar... Eu...
- Será que nunca parou pra pensar que se eu quisesse, já teria matado você na noite passada?
- E por que não o fez? - Ela olhou para mim, para o fundo dos meus olhos claros que dizia temer, quem sabe procurando a resposta pela sua pergunta.
- Eu não sei. - Falei por fim, com uma expressão derrotada. Eu realmente não sabia porque a salvara. Ou sabia, mas não queria admitir.
- Como assim não sabe? Eu acho que já matou muitas pessoas antes... - Ela olhou para frente, na direção em que eu olhava. Eu não queria encará-la, e acho que ela pensava o mesmo.
- Você quer um motivo? Bem, não tem nenhum. Se contente com isso. - Me levantei - Deveria me agradecer ao invés de procurar inúteis "Por quês".
Ela continuou calada.
- Talvez o real por quê disso tudo, é que estou lhe dando uma chance que eu não tive. Uma chance de recomeçar e recuperar o tempo perdido.
Antes que eu chegasse até a porta, uma mão fria e macia segurou meu braço.
- Todos têm a chance de recomeçar. - Virei meu braço, de forma que ela se soltasse de mim.
- Vá dizer isso a um assassino que tem mais de mil mortes em suas mãos. - Me aproximei perigosamente dela, olhos bem próximos - Não me venha com frases ditas em livrinhos de auto-ajuda.
E saí do quarto. Antes que eu entrasse no meu, ela saiu no corredor.
- Hey, qual é o seu nome? - Que garota insistente.
- Me chame de Hunter.
- O meu é Samantha. Me chame de Sam, apenas. - E entrou no quarto, fechando a porta devagar.
Ignorei-a e fechei a porta do meu quarto, jogando-me desajeitadamente na cama.
O fato de como ele havia me achado era uma incógnita. Fiz questão de "sumir do mapa" depois que o homem que cuidava de mim morrera, há sete anos atrás.
Ainda deitado, encarava o teto, desatento à qualquer outra coisa que não fossem meus pensamentos sobre esse maldito assassino que me encontrara.
O celular toca de novo.
- Sabe que nesse mundo não pode haver lugar para nós dois.
- Por isso já estou me encarregando de matá-lo.
Desliguei o celular antes que ouvisse resposta. Retirei a bateria do mesmo, jogando-os contra a parede. Um barulho forte ecoou e nem sequer olhei para confirmar que o quebrara.
- Eu preciso sair daqui. - Tentei falar sozinho, mas notei Nara no meu quarto, que chacoalhou levemente a cauda, confirmando. - Eu não estava falando com você... - Me levantei e comecei a arrumar uma mala com todas as minhas roupas. - De qualquer forma, aqui não é mais um bom lugar para ficarmos, Nara.
Pretendia sair e ir para um lugar bem longe, se possível. Mas deixaria a casa intacta, para o caso de precisar voltar.
Mas me esqueci de algo, que particularmente não é importante, mas que é como uma pedra no meu sapato. A garota. Se eu a deixasse aqui, meu pai virá e a matará. Se eu a levar, posso ter problemas. Aliás, porque eu decidi deixá-la viva?
Sentei-me na ponta da cama, com mil pensamentos ecoando em minha mente. Seus olhos eram tão parecidos com os dela. Eram verde esmeralda. Esses sim são olhos que eu gostaria de ter. Essa menina se parece muito com a minha mãe e não podia negar que isso me incomodava de tal forma que eu já estava ficando louco. Era uma reencarnação dela. Uma visão, um fantasma de seu passado. Querendo ou não, isso fazia com que eu a mantivesse viva até agora.
Mas que inferno! Eu não sou assim!
Peguei uma pistola carregada que estava no meu armário e fui em direção ao seu quarto. Escancarei a porta com toda a força que eu tinha e apontei a arma na direção da cama. Vazia.
Olhei para o cômodo e a menina estava em um canto, encolhida.
- O que faz aí? - Disse grosseiramente, olhando minha vítima.
- Eu escutei um barulho de algo batendo na parede. Fiquei com medo e me escondi aqui.
- O "algo" era meu celular. - Disse ríspido.
- Por que está com essa arma?
Me aproximei sorrateiramente dela, enquanto se encolhia cada vez mais. A janela estava aberta, mesmo sendo madrugada e a luz da lua refletia em seu rosto, principalmente em seus olhos verdes.
E pela primeira vez na vida eu hesitei em matar alguém.
- Eu, é... - E pela primeira vez na vida, gaguejei também.
- Você ia me matar?
Fiquei mudo.
- Ia me matar, não é?
- Cala a boca! - Gritei e sentei em sua cama, segurando a arma e abaixando a cabeça. - Mas que droga garota! Por que... Por que você tinha que... Esses olhos. Esses malditos olhos.
Senti uma mão na minha perna e a vi mais de perto, ajoelhada.
- Me desculpe, mas vou dizer de novo... Seus olhos são lindos. Não se mutile por eles.
Me levantei, afastando-me de seu toque.
- Não estou falando dos meus. Mas dos seus. - Me virei de costa pra ela, meu corpo todo estava tenso. - Seus olhos são a única coisa que me impedem de te matar. Eles me lembram... Alguém. - Ela não disse nada - Não saia daqui.
Fui até meu quarto, pegando uma bermuda preta e uma camiseta com gola V, a menor que eu tinha e quando voltei pro cômodo onde estava, joguei em sua cama.
- Vista isso e coloque o seu sapato.
Nara chegou ao quarto, fazendo a garota subir na cama, como se tivesse visto um monstro. E como se uma cobra como ela não fosse capaz de subir numa cama.
- Nara não faz nada a não ser que eu mande, odeio repetir o que já disse antes.
- Mas ela é uma cobra! - A garota olhava apenas para os olhos negros de Nara.
- Sério? Achei que fosse uma minhoca gigante. - Fiz uma expressão ríspida e ela riu. - A intenção não é ser uma piada. Você vai viajar com ela. Ambas estarão no mesmo espaço.
Ela continuou olhando Nara, mas relaxou e se sentou novamente.
- Como assim viajar?
- Nós vamos fugir daqui. - Me virei para Nara, que agora saia chacoalhando seus guizos. - A não ser que queira ficar aqui. E talvez, se tornar comida dos leões da cidade.
- Para onde nós vamos?
- Connecticut.
Saí do quarto, deixando-a sozinha para trocar de roupa e fui me certificar que as coisas importantes já estavam na mala, principalmente meus armamentos. Não queria deixar nada que tivesse alguma peculiaridade minha aqui. E, claro, não parava de pensar na ideia brilhante que eu tive de levar a menina cujos malditos olhos são do demônio. Quis amaldiçoar minha mãe por ter olhos tão peculiares, me fazendo lembrar muito dela ao olhar essa garota que eu não tinha coragem de matar. Sua atitude medonha, seu coração que implorava por proteção. Tudo. Era igual a única mulher que eu amei na minha vida. E isso me fazia sentir um assassino inútil.
Ela já estava na porta, acanhada. Olhando para baixo, vestida com minha blusa que ficara larga para ela. Tão larga que, se erguesse os braços, poderia para ver o seu sutiã. Por sorte, a bermuda coube perfeitamente. Bem, pelo menos na cintura.
- Vá para a garagem e me espere lá. Certifique-se de ter pegado tudo o que tem. Não pretendo deixar nada aqui.
Ela acenou e saiu.
Peguei algumas comidas rápidas que estavam no armário, como salgadinhos, bolachas e doces. Saí apressadamente, segurando três malas: Com minhas roupas, com meus armamentos e com o dinheiro do meu último crime.
Ela já estava lá, na porta do carona, me esperando. Assim que cheguei com as malas pesadas, ela veio me ajudar.
- Não preciso de ajuda. - Falei de antemão e ela parou o que pretendia fazer e voltou à sua posição inicial, quieta e acanhada.
Coloquei tudo no porta-malas, deixando apenas a sacola com os lanches “saudáveis”, mas que de qualquer forma deveriam servir pelo menos por umas horas, eu acho. De qualquer forma, pararia em algum lugar para a garota se alimentar.
Assim que desativei o alarme, a garota abriu a porta do passageiro. Nara atravessou entre suas pernas e entrou no carro, fazendo-a dar um grito agudo, tapando a boca em seguida.
- Fiquem aqui dentro do carro. E, garota, sem gritos histéricos. Já disse que Nara não te fará mal até que eu mande que ela o faça. Vou verificar os fundos. Enquanto isso, se tranque aqui dentro.
Ela acenou concordando e assim o fez.
Fui até o portão da casa, indo sorrateiramente através do jardim. Não pude perceber a presença de ninguém.
Ainda meio escondido, decidi abrir o portão devagar e ver se havia alguém andando por aí. Na verdade queria ver se ele estava andando nos arredores. Como eu ia de carro, seria fácil ele me seguir.
Não havia ninguém. Pelo menos eu acho. A rua estava tranquila, como sempre. Saí do portão para fora, me arriscando um pouco mais. Fui até o lixo onde havia deixado a cabeça da prostituta, mas só encontrei uma sacola com bastante sangue dentro. Vazia. Mas no meio do sangue havia um papel. Retirei, com certo nojo de lá e com dificuldade li: “(xx) 0000-0000. Eu vou fazer você me procurar. E vou esperá-lo pacientemente.”
Sabia que uma hora eu teria de enfrentá-lo. Guardei o papel, mesmo pingando sangue no bolso da calça e fechei muito bem o saco, colocando-o dentro de outro que havia ali, para não levantar suspeitas.
Ainda olhando para todos os lados, voltei até a garagem.
- Puxa, você continua viva, garota. - Me virei para ela, que estava encolhida no banco, evitando olhar para Nara, que se acomodava como um gato no banco de trás. Realmente, às vezes não parecia que ela era uma cobra assassina.
Na verdade, nem eu estou parecendo um assassino de verdade depois que essa garota decidiu aparecer.
De qualquer forma, ela ignorou meu comentário e liguei o carro, arrancando o mais rápido que pude para a rua. Eu poderia fechar o portão por controle, mas decidi dar uma olhada ao redor indo fechar manualmente mesmo.
Só havia silêncio. Ninguém na rua. Ótimo!
Voltei ao banco do motorista e arranquei com o carro, fazendo a menina colocar apressadamente os cintos de segurança.
Dirigi por duas horas, através de uma enorme avenida. Sabia que eu estava indo por uma rota mais longa, mas seria assim, até eu perceber que estaríamos seguros o suficiente para chegar ao nosso destino.
Saindo de San Diego, chegamos em Los Angeles. Parei num local deserto e que poderia deixar meu carro à espreita. Olhei no relógio.
- O centro abre às sete da manhã. Então, temos três horas e meia para descansar. - Ao desligar o carro, as portas destravaram. Então as travei novamente. - É tempo suficiente para o que temos que fazer amanhã.
A menina nada disse, apenas concordou com um aceno e reclinou seu assento, para se sentir mais confortável.
Reclinei apenas um pouco, porque eu deveria estar esperto com qualquer movimento estranho por ali. Em menos de dois minutos a menina já havia adormecido, mas eu não consegui fechar os olhos, de maneira alguma.
A menina estava virada na minha direção de olhos fechados. Então pude perceber que ela era apenas uma qualquer, com um triste passado. E que talvez hora ou outra, morreria. Na minha mão, ou não. Mas o fato é que eu estava agindo como um idiota. Achava-me um assassino organizado, no fim das contas. Daquele tipo que agia como um cara qualquer de dia e era um matador à noite. Sempre agi cautelosamente e nunca deixei vestígios. Ninguém conheceu minhas duas faces, a não ser meu pai.
E agora, ela. Então eu paro pra pensar que se nos conhecêssemos em outra ocasião, ambos com vidas diferentes, eu a visse como alguém que lembrasse minha mãe. Talvez eu pudesse sentir algo a mais, como uma amizade.
Eu ainda a encarava, lembrando-me da minha pistola na cintura, sempre a deixava ali para emergências.
Uma hora de pensamentos taciturnos e sem sono. Nara estava toda enrolada no banco de trás, os olhos negros completamente fechados.
- Hun... Não... Me... Por...
Além de patética, acanhada, agora é louca.
- Cala a boca! - Disse com o tom de voz um pouco baixo, fazendo ela se remexer um pouco em seu assento.
- Hunter...
Ela estava sonhando comigo? Me aproximei de seu rosto, enquanto balbuciava palavras que não estava conseguindo compreender muito bem.
- Não me mate... - Sussurrou baixinho. Se eu não estivesse perto o suficiente, não teria escutado.
Claro que ela sonharia com esse tipo de coisa. Ela vive com medo de mim, mas não me senti bem, de certa forma. Foi como se a minha mãe tivesse sentindo medo de mim.
- Mas que porra, Kaleb! Confundindo uma vadiazinha com a sua mãe? Onde você colocou seu maldito cérebro? - Brigava comigo mesmo, em uma conversa um tanto enfadonha. - Mata logo ela. Livre-se de um peso. Mas que...
Aqueles olhos me encaravam. Estavam inchados, por ter acabado de acordar. Olhando no relógio, notei que havia passado uma hora desde que estacionamos e eu ainda continuava com insônia e como se isso não bastasse, pensava em coisas absurdas.
- O que você está olhando? Volte a dormir.
- Por que você tem que ser tão frio?
- Volte a dormir.
Ela se virou, de costas para mim.
- Você deveria me matar logo. Deveria livrar-se mesmo desse peso, ao invés de eu ter que ficar aqui pensando quando vai ser meu último dia. O dia em que você vai finalmente chegar e apontar a arma para mim, apertando o dedo no gatilho.
Não disse nada. Decidi ignorar sua atitude retórica e me virei pra a janela, para finalmente dormir.

Capítulo Segundo

O bordel era requintado e com luzes chamativas. Várias meretrizes passeavam pelo lugar com pouquíssima roupa e as dançarinas não possuíam nada que cobrisse seus seios. Precisei de duas semanas para marcar um horário com aquela vadia requisitada. Ela era uma mulher feia, na minha perspectiva. E me admirei muito que os homens fizessem fila para dormir com ela.
A procurei por todos os cantos. Por telefone, me passei por Hayato Nakashima, dono de uma propriedade rural no sul da Califórnia.
Ela estava bebendo num canto reservado do bar. Cheguei mais perto e ela me reconheceu, claro.
- Senhor Nakashima? - Ela estava um pouco alterada pelo álcool.
- Sim.
- Me arrumei especialmente para você. Há também um quarto especial, como me pediu, longe de tudo e todos. Eu também mantive tudo em sigilo, como o senhor me pediu.
Seus cabelos loiros desbotados refletiam seu cansaço. Sua maquiagem forte tentava em vão disfarçar as olheiras e as rugas que começavam a se formar. Talvez ela apenas chamasse atenção pelo esplêndido corpo escultural que possuia.
Ela, disfarçadamente, se levantou de onde estava e entrou em uma porta branca, que não era muito visível com as luzes incandescentes do lugar, já que as paredes eram brancas também.
Andamos por uns três minutos. Ela realmente escolhera um local muito bem reservado, passando o estacionamento e um motel de luxo que ficava ao lado do bordel.
Era um quarto do motel que era extremamente simples e aconchegante. Longe de tudo e de todos. Eu teria três horas para fazer o serviço e sair sem ser notado. Mas eu precisava de apenas vinte minutos.
- Então, srta. Collins, percebi que a senhorita é bastante requisitada nesse bordel.
- Ah sim. - Ela sorriu e começou a tirar a roupa, ficando apenas com uma lingerie pink. Eu odeio essa cor. - Sabe, é difícil encontrar um homem belo como você. São raras as noites que encontro homens assim, então para eles faço um ótimo serviço. - Ela tentou jogar seu melhor sorriso pervertido.
Sorri de escárnio.
- Me diga senhorita, para Adonis Blaya você também faz um bom serviço ou é de graça?
Sua feição mudou, de perversão para pânico. Acho que isso vai ficar muito divertido.
- O qu-que você está falando senhor Nakashima? - Ela se encostou na parede, assustada, enquanto eu tirava o facão afiado do paletó.
- Sabe Anne, me pagaram muito bem para fazer você ter uma morte dolorosa. Não tive como recusar um serviço tão tentador.
- Eu pago o dobro! - Ela já falava alto, em desespero.
- Desculpe Anne, mas esse é um valor que nenhuma prostituta, mesmo uma requisitada como você, poderá pagar. - Me aproximei sorrateiramente dela - Você não tem pra onde fugir.
Cheguei mais perto dela, enquanto chorava desesperada, a maquiagem borrando seu rosto todo e mostrando suas imperfeições que tanto tentara esconder.
- Apenas aceite sua morte. - Tirei o cabelo de seu rosto suado, para visualizar seus olhos de medo, que eu tanto amo. - Você é podre por dentro. Como um ninho de larvas. E eu preciso matar pessoas como você antes que se proliferem e causem mais danos.
- Não, por fav...
Tarde demais. Antes que ela dissesse mais alguma coisa, meu facão atravessou o lado direito do seu abdômen, não matando-a, mas a fazendo gemer de dor.
Puxei-a pelos cabelos loiros e a joguei na cama em forma de coração. A luz refletida na cama era vermelho, assim como os lençóis. Vermelho-sangue.
Ela caiu como um baque e apertou com a mão o lado em que a feri. Que inútil. Ela precisaria de muito mais do que um par de pequenas mãos pra poder sobreviver.
- É interessante como a vida pode virar do avesso, não é Anne Collins? Ficou encantada com um belo homem no bordel, o levou para um longínquo quarto a seu pedido e agora vai morrer de pouco em pouco, acabando com a sua estúpida e imprestável vida.
-Não... - Ela tentava gritar, mas estava perdendo bastante sangue. Então eu decidi fazê-la sofrer mais um pouco, cortando-lhe um pouco do seu pescoço, de leve, apenas para que sentisse dor.
Ela era fraca e logo percebi que estava perdendo a consciência. Decidi terminar o serviço aos poucos, enquanto ela ia morrendo.
Coloquei seu corpo já em óbito em um saco de lixo preto. Saí o mais depressa que pude e notei que haviam cinco homens perto da entrada do motel. Era meu único caminho e com certeza perguntariam sobre o saco de lixo.
Mas que droga!
Coloquei o saco de lado e peguei meu lenço, cobrindo uma parte do rosto. Senti a presença de Nara antes mesmo de chamá-la. Peguei o saco de volta e comecei a andar, de cabeça baixa.
- Ei, senhor! o que leva nesse saco? - Um dos homens, o maior e mais forte de todos veio em minha direção e notou meu lenço. - Retire esse lenço agora!
A mão dele veio em minha direção, o tempo suficiente para que eu pegasse meu facão e decepasse seu braço. O homem caiu de joelhos, gemendo de dor. Peguei rapidamente a arma com a mão que segurava a sacola e dei um único tiro com o silenciador.
Os outros quatro homens vinham rapidamente até mim. Nara interceptou um deles, dando uma mordida de rancar pedaço, em sua perna direita. Eu estava em certa desvantagem, já que não poderia, em hipótese alguma, largar o saco que estava pesando.
Por sorte, ninguém de dentro do bordel podia ouvir o massacre que estava acontecendo ali fora, devido à música altíssima. Muito menos os que estavam nos quartos de motel, já que tinham coisas mais importantes à fazer.
O homem gemia e se contorcia enquanto o veneno que Nara liberou ao mordê-lo na perna fazia o efeito desejado. Os outros dois homens vinham até mim com socos-ingleses e certos utensílios que pareciam ser feitos manualmente. Pude perceber que um deles usava uma faca com uma ponta que soltava um líquido branco: veneno.
Dois tiros da minha pistola bastariam para uma morte mais rápida. Isso se eu tivesse um pouco mais de distância ou com as mãos livres.
Isso! Com um pensamento rápido, joguei o saco de lixo com força, em direção a um deles, atordoando-o. Aproveitei e dei um tiro em seu abdômen, mas não percebi que o outro vinha com sua faca envenenada. Por sorte, Nara estava lá pra evitar que a ponta da faca me atingisse e o matou.
- Vamos! - Disse a Nara que já estava perto de mim novamente, enquanto eu corria rapidamente até uma parede, pulando-a com destreza para chegar do lado de fora do recinto.
Estava em uma rua deserta qualquer. Peguei outro saco e decepei a cabeça da mulher morta. A situação por eu ter sacudido o saco estava precária. Se não fosse anos de trabalho, já teria vomitado. Guardei apenas a cabeça no novo saco e deixei o saco com seu corpo em um latão de lixo qualquer, num dos becos da cidade.
Peguei o celular, enquanto limpava o sangue das minhas mãos no meu terno.
- Senhora Blaya?
- Sim.
- Acho que sabe quem está falando. Isso significa que seu trabalho foi realizado. Precisa que eu entregue a encomenda em mãos ou você mesma fará isso?
- Obrigada Hunter. Pode deixar aqui na minha residência. Sabe onde fica, certo? Estarei esperando na calçada com a desculpa de levar o lixo pra fora.
- Ok.
Em doze minutos estava lá. Nara estava na espreita, como sempre, zelando pela minha segurança. Mida Blaya estava esperando na calçada com um pijama branco, de cetim, quase transparente. Seus cabelos negros e cortados no ombro voavam com o vento frio. Ela era tão bela quanto perigosa.
- Que bom que está aqui. - Ela sorriu, eu ainda estava com o lenço no rosto - Já lhe dei alguns trabalhos. Será que não poderia ver seu rosto, ao menos uma vez?
Eu sabia qual era a sua intenção. Ter-me em seus braços. Por isso sempre arrumava alguém para que eu matasse. Eu aceitava porque ela sempre pagava muito, muito bem pelo serviço.
- Não confundo o meu lado profissional com o lado pessoal, Mida.
- Claro, então poderia vir um dia, me ver. Sem falarmos sobre seu trabalho. Apenas como amigos...
- Seu marido está em casa? - Mudei de assunto.
- Está sim. Peço que execute todo o serviço hoje.
- Você sabe que deve estar em outro lugar, não é? Poderia facilmente  ser a culpada pelo assassinato dele.
- Se você fizer o que eu mandar, ninguém vai sair como culpado.
- Eu tenho meus métodos, não preciso ser mandado por ninguém para executá-los da forma certa. - Disse ríspido. - Apenas vá correndo daqui a sete minutos, - olhei no relógio - até a casa de alguém que a conheça e que poderia lhe ajudar. Vou simular um assalto seguido de morte.
- Você é muito perspicaz, Hunter. - Ela chegou perto, pegando na aba do meu paletó com uma mão, enquanto a outra era usada para arranhar meu pescoço.
- E só uma coisa. - Cortei seu rosto com o facão - Você precisa de provas de que é inocente.
Rasguei sua camisola, a deixando quase nua. Por livre e espontânea vontade, ela deixara fazer alguns cortes em seu corpo escultural. O mais interessante é que ela apenas sorria com a dor.
- Sabe Hunter, - ela chegou até mim, antes que eu entrasse em sua casa, comprimindo seu corpo no meu - se for pra ser morta por alguém, gostaria que fosse por você.
- Vou entrar na sua casa agora. Lembre-se Mida, sete minutos.
Ela sorriu, o batom vermelho reluzindo junto com sua camisola de cetim toda rasgada e suja de sangue. Essa mulher é um encanto.
Atravessei o portão e vi pela janela que seu marido estava tomando café na cozinha. Entrei pela porta da sala de estar e fui em direção ao cômodo onde estava sentado.
Ele se assutou ao me ver.
- Q-quem é você? - Se levantou bruscamente e se encostou na pia expressão e atitude igual ao de sua amante.
- Eu vim lhe trazer esse belo presente. - Abri o saco e para mostrar a cabeça de Anne, já deplorável, em cima da mesa onde ele tomava seu café.
Ele se virou bruscamente e vomitou na pia.
- Você é o próximo. Mas creio que a sua morte vai ser um pouco mais rápida do que a dela. - Peguei minha pistola com silenciador e apontei a arma pra ele, que implorava para viver.
- Por favor, eu faço o que você quiser... Eu...
Um tiro na cabeça. Foi o suficiente para ele cair no chão, de qualquer jeito.
Bem, foi mais rápido do que pensei. Então, peguei a sacola de dinheiro que estava em cima do armário da cozinha, onde Mida havia deixado e chamei Nara, que prontamente estava perto de mim. Eu tinha mais dois minutos, então revirei a casa, peguei o saco de lixo com os restos da prostituta e saí em direção ao portão.
Mida já havia corrido até uma casa qualquer, pedindo socorro. O tempo correra exatamente como previra.
O plano era simples: Mida foi levar o lixo pra fora, enquanto um homem encapuzado chegou, a fez de refém em sua casa, junto com seu marido. Ele ia machucá-la, mas de alguma forma ela conseguiu fugir, fazendo o homem encapuzado ficar furioso e matar seu marido. O homem encapuzado revirou a casa e encontrou o dinheiro, saindo às pressas. Se ela souber explicar à polícia da forma correta, então será inocente. Se não, bem... Ela tem dinheiro para pagar alguns advogados e para calar algumas bocas.
Já perto de casa, joguei o saco, muito bem amarrado, no lixo. Chega de nojeiras por hoje, eu precisava de um banho demorado.
Cheguei em casa e Nara sumiu. Ela também precisava descansar.
Meio relutante, fui até o quarto da garota, que estava sentada na cama, encolhida.
- O que está fazendo acordada até essa hora?
- Eu estava sozinha... Fiquei com medo.
- Vá dormir. - Fechei a porta de seu quarto com força, fazendo um estrondo.

Liguei o chuveiro e deixei a água morna cair lentamente, deslizando pelo meu corpo. O sangue já ia embora junto com a corrente de água, quando ouvi meu celular tocar. Todo molhado, saí do banho e fui pingando até a escrivaninha do meu quarto. Mais tarde secaria o chão.
- Alô?
- Seu pai está muito orgulhoso de você, filho. Fez um estrago com a cabeça dessa prostituta.

Capítulo Primeiro

"15 anos atrás.
- Mamãe, onde você está? - Eu corria pela casa, querendo mostrar o pequeno buquê de flores que comprara para alegrar seu dia.
Desde que papai foi embora, ela entrou em uma depressão horrível. E às vezes chorava, disfarçadamente, quando olhava para mim. Talvez porque eu tivesse os olhos do meu pai e um pouco da sua personalidade rude. Claro que pra ela eu nunca fui rude.
Eu me culpava às vezes por parecer tanto com o meu pai. E para compensar esse defeito, sempre tentava alegrar minha mãe, mostrando o quão diferente eu poderia ser daquele homem. Eu queria dar a felicidade de volta à ela.
- Mamãe? Está no quarto? Eu... - Ela estava deitada. Desde a hora em que fui à escola. - Eu lhe trouxe flores, mamãe. São rosas vermelhas, suas preferidas. Eu economizei no dinheiro do lanche pra você ficar feliz. - A chacoalhei de leve, ela estava coberta com seu edredom vermelho e de costas para mim. Levantei o edredom e haviam vários remédios espalhados pela cama. Remédios de todas as cores. Uns pareciam as balas que comprava no mercado da esquina.
Quando a toquei, estava fria. Mais fria que a neve que caia lá fora.
- Mamãe? - Chamei-a desesperadamente. Subi na cama e a abracei, tentando miseravelmente aquecer aquele corpo gélido e sem vida."
Acordei suado e ofegante. Tinha certeza que isso não foi um sonho, foi uma lembrança pela qual privei minha mente, mas que depois daqueles olhos que vira na noite anterior, voltaram à tona.
Ouço um barulho estrondoso de panela caindo ao chão. O estrondo vinha da cozinha.
Levantei-me da cama amaldiçoando aquele dia e quem fizera a proeza de me tirar de meus devaneios.
Seguiu-se um grito. Essa casa nunca fora tão agitada e já estava começando a odiar a maldita ideia que eu tive ontem.
- Mas que porra é essa? - Nara passou por mim, chacoalhando sua cauda, talvez tivesse se assustado com a criatura que estava em cima da pia segurando uma frigideira. Ela ainda usava sua suja calça jeans e blusa de frio fechada, já que sua blusa fora rasgada ontem.
- U-uma cascavel gigante!
- Correção: Uma serpente rara do sul da África. - Encostei-me no balcão da cozinha, sentindo cheiro de omelete e bacon. - Ela não faz a mal a ninguém. A menos que eu a ordene que faça, claro.
- Mas ela tem guizos...
- Ela é uma serpente rara. Rara!
Ela desceu da pia, ainda olhando o chão, talvez achando que eu tivesse uma cria de serpentes andando pela casa. Patética.
- E o que você estava tentando fazer?
- Um café-da-manhã.
- Olha bem pra mim. - Ela me encarou, com os olhos arregalados - Você vê um americano?
- Não...
- Então por que fez a porra de um omelete com bacon?
- Bem, eu não sei fazer sushi.
Eu deveria tê-la matado quando tive a chance. Na verdade eu ainda tenho chance de fazer isso.
- Não é porque sou japonês que só como sushi, sua imbecil. Se você não sabe o que como no café-da-manhã, não faça absolutamente nada. Não preciso de comidinha de agradecimento.
Ela olhou triste para o omelete que estava no prato, em cima da mesa. Suspirei pesadamente.
- Mas como você já fez essa droga, eu não vou jogar comida fora.
Sentei-me de qualquer jeito na cadeira e peguei com a mão um pedaço de bacon. Não quis admitir o quanto aquilo estava bom. Não me alimento bem desde os 12 anos. Desde que...
- Está gostoso? Eu coloquei um pouco de curry que tinha no armário.
- Hn.
- Obrigada. Sabe, por tudo.
- Hn.
- Assim que eu conseguir um lugar, eu saio daqui. Então, durante esse tempo, não precisa se preocupar comigo.
- Hn.
Ela se retraiu e apenas olhou enquanto eu devorava aquele café-da-manhã gorduroso.
- Três coisas imprescindíveis que você deve fazer: Ficar longe das minhas coisas, evitar qualquer diálogo entre nós e se cuidar por onde anda. Ninguém sabe onde fica a minha casa, e não vai ser uma criança que vai estragar tudo.
Depois de devorar quatro omeletes e sete pedaços de bacon sozinho, levantei-me e fui para o meu quarto tomar uma ducha. Eu ainda estava com um shorts qualquer e sem camisa alguma quando a garota apareceu na porta, meio acanhada.
- É...
- Fala logo. - Disse ríspido.
- Eu sei que não sou bem-vinda, mas eu gostaria de poder lhe ajudar de alguma forma enquanto eu estiver aqui...
- Você não entendeu o que eu te falei na cozinha? Eu vivo há anos sozinho, nunca precisei de uma mulher que pudesse fazer coisas por mim. Não vai ser agora que vou precisar. - Me virei pegando a toalha. - Quer ajudar? Feche a boca e fique quieta. Eu não quero sentir sua presença nessa casa.
Ela se virou e foi em direção ao quarto de hóspedes que havia dormido à noite.
Nara passou por mim, vindo debaixo da minha cama.
- Não vá ao quarto da menina. Eu não quero ouvir gritos.
Nara compreendeu com um leve chacoalhar dos guizos e foi em direção à cozinha.
Entrei no banheiro e liguei o chuveiro gelado.
Comecei a tomar minhas metas de hoje: Anne Colins. Prostituta do bordel North Worth, foi presa três vezes, uma por portar cocaína, uma por roubo e outra por aliciação de menor. Agora ela começou a brincar com fogo, sendo amante do marido de uma empresária influente. Mida Blaya, a empresária, quer vingança. E me pagou muito bem por isso. Seu marido será o próximo, é claro.
Enquanto me trocava, verifiquei as armas que usaria. Mida Blaya é tão vingativa que pediu a cabeça da vítima em uma sacola, pra entregar de presente pro marido. E me pagou o triplo por uma morte lenta e dolorosa.
A roupa e a arma estavam preparados. Comecei a afiar o facão que usaria para decapitá-la quando escutei a televisão ligada. Mas que inferno!
Coloquei um jeans velho e surrado e uma camiseta qualquer, antes de sair do quarto.
"Foi encontrado nessa sexta-feira cinco corpos no beco da rua Assef. Todos foram mortos com um tiro na cabeça. Não houve testemunhas e a polícia está averiguando o caso para..."
Mudei o canal e saí da sala.
Escutei a menina desligar a TV e ir para seu quarto. Quarto provisório. E não saiu mais de lá.
A noite estava chegando, notei que fazia tempo que ela não havia comido. Não que isso fosse importante para mim, mas não queria uma garota que morresse de fome nos meus aposentos. Me preparei para sair, colocando o terno requintado e guardando a arma com o silenciador e o facão dentro do meu paletó.
Fui até seu quarto. Ela estava deitada lendo o livro "A Arte da Guerra", que eu deixara jogado ali depois de lê-lo tantas e tantas vezes. Me aproximei e deixei mil dólares em cima da escrivaninha.
- Vá amanhã comprar umas roupas e faça uma compra no supermercado.
- O que você gosta de comer... Eu...
- Compre o que você quiser. É só você quem vai comer mesmo.
Me virei já saindo, quando senti ela se levantar rapidamente.
- Por que você usa lentes de contato? Quer dizer... - Ela abaixou a cabeça, envergonhada. Odeio esse tipo de atitude.
- Fale logo! - Fui grosseiro e ela finalmente olhou pra mim e teve coragem para falar.
- Você acordou e foi direto para a cozinha, então eu vi seus olhos... Eles são...
-Azuis?
- Sim... Seus olhos são lindos. - Ela sorriu - Não deveria escondê-los.
- Jura? E quantos asiáticos você já viu com os olhos quase brancos?
- Além de você?- Ela abaixou a cabeça. - Só um, mas faz muito tempo... Tanto tempo que você seria uma criança, se contar pelo fato de você parecer ter 25 anos....
Me assustei. Será que... Ele deveria estar morto.
- Você é mais nova do que eu. - Falei, não transparecendo fraqueza.
- Sim, eu tinha quatro anos, mas lembro daqueles olhos azuis quase brancos. Foram inesquecíveis pra mim...
- Hn. - Decidi não perguntar nada em relação a esse assunto, apesar de estar tremendamente curioso.
- Seus olhos... Eles possuem algo de especial?
- Sim, eles fazem as pessoas que me perturbam queimarem vivas. - Eu sorri de escárnio e ela se retraiu - Está ficando com calor?
Ela negou com a cabeça.
- Esses olhos são uma maldição. Não possuem poder algum. - Já estava na porta, pronto para sair - E nunca mais digam que eles são lindos. Me dá nojo saber que alguém pensa isso sobre eles.
Saí antes que obtivesse resposta. Qualquer coisa que ela dissesse naquele momento, não seria a resposta que eu estaria procurando.
- Nara! - No mesmo instante a serpente estava do meu lado. - Fique alerta. Posso precisar de você.
A enorme serpente apenas afirmou com o chacoalho e saiu pela janela.

Prólogo

A noite estava especialmente fria neste mês de julho. Ele acabara de sair do bar e andava cambaleando pela calçada esburacada, parando de vez em quando pra descansar. "Será muito fácil", pensei já tirando a pistola com silenciador do sobretudo e colocando apenas uma bala, que seria mais que suficiente.
Ele virou em um beco escuro e sujo, tão parecido com sua vida. Fiquei na espreita, esperando um momento adequado para terminar meu trabalho.
- Vocês estão aí? A garota também está? - Do beco escuro saíram quatro homens, incluindo uma garota, de aparentemente 20 anos, com as mãos amarradas e amordaçada. Preparei-me, já colocando mais balas na arma. - Hun, docinho. Você é tão cheirosa.
Pude ver a garota chorando e tentando se afastar da minha vítima, de nojo. Vou ter que avisar ao Sr. Mattew que ao matar seus comparsas e a menina, o valor será quintuplicado.
Sem perder tempo, ele rasgou com veracidade a roupa da garota, mostrando a lingerie rosa. Ela parecia ser mais nova agora.
- Vamos, me dê prazer, sua vadia.
Ele a pegou pelos cabelos longos e a fez se ajoelhar no chão árido, abrindo os botões da calça logo em seguida e tirando a mordaça de sua boca.
Deu-lhe um tapa na cara e chegou perto de seus ouvidos, mas falando alto o suficiente para que eu escutasse:
- Se você fizer uma gracinha, vai morrer aqui mesmo, filha da puta.
Um tiro. Foi o que eu dei em um de seus comparsas que caiu desajeitado no chão. Não iria ficar pra ver essa merda toda. Tinha mais o que fazer.
- Quem está aí? - Ele olhou em direção à calçada, onde eu estava escondido. Fez a garota se levantar rapidamente e a usou como escudo.
Antes que seus comparsas chegassem até onde eu estava, já estavam mortos.
Sabia que minha vítima não estava armada, essa seria muito fácil.
- Vinte assassinatos, treze roubos e quase quinze estupros. - Mostrei-me a ele, com o capuz do sobretudo negro cobrindo meu rosto. - Seria o 15º se eu não estivesse aqui, correto, Senhor Antonie Claus? Mas, para sua infelicidade, você escolheu o garotinho errado para matar, quando assaltou aquela mansão há dois meses. O influente pai dele, Rony Mattew, me contratou para acabar com você. - Segurei minha pistola nas mãos, analisando-o e conferindo as duas balas restantes nele.
- Eu não vou morrer aqui, seu idiota! Vou me vingar desse homem inútil.
- Acho que isso não será possível. Mortos não voltam pra se vingar. - Apontei a arma em sua direção. Ele segurou ainda mais a menina, achando que eu erraria meu tiro e a acertaria.
Mas ele não escondeu suficientemente sua cabeça, parte mais importante e letal de todas. Com o tiro, ele se chocou violentamente no chão e um grito feminino ouviu-se soar pelo beco. A garota encolheu-se no chão, ainda com as mãos atadas.
Cheguei perto dela. Minha última bala. Ela chorava freneticamente quando apontei minha arma em sua direção. Já vi tantas vezes esse olhar que passei a ignorá-lo.
- Por favor! Por favor, me mate logo.
Eu parei de repente. Ninguém nunca me pediu para morrer, muito pelo contrário.
Ajoelhei-me perto da garota que olhava para meus olhos, meio indecisa sobre a cor deles, talvez.
- Me mate... - Ela já sussurrava, sem forças.
- Vou deixá-la viva, apenas por me pedir isso. - Sorri de escárnio.
- Eles irão atrás de mim.
- E isso é problema meu? - Retirei a corda que estava amarrando seus pulsos e os notei completamente machucados. Não pela corda, mas por algo pontiagudo.
- E-então me leve com você... Eu faço qualquer coisa que quiser. Mas não me deixe sozinha.
- Cale a boca. - Disse grosseiramente, fazendo-a se conter de medo - O que eu quero com uma criança inútil?
Me levantei e a deixei lá. Quem quer que a encontrasse poderia fazer o que quiser. Mas antes que eu me virasse para sair da escuridão do beco, a mão pequena da garota segurou meu sobretudo.
Virei-me bruscamente com os olhos em fúria pela insistência daquela criança, já apontando a arma para sua cabeça, quando vejo aqueles vulneráveis olhos chorosos. Olhos esses que me lembraram...
Por esse motivo, inclinei-me a infringir a maior regra de um assassino.
Tive um pequeno sentimento de pena por aquela criatura indefesa, que tanto lembrou-me uma pessoa que amei.
Talvez, se eu soubesse tudo o que aquele sentimento desencadearia, eu a teria matado naquela mesma hora.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Sinopse

Olá!

Aqui é a B.K

Sinopse:
"Hunter é um assassino de aluguel que tem sua vida virada do avesso ao conhecer Samantha, uma garota amável, mas com um passado obscuro que tenta esconder à todo custo.
Ao mesmo tempo em que decide manter a menina consigo ou matá-la, Hunter descobre que seu pai, o melhor assassino do país e seu pior inimigo está vivo e indo atrás dele.
Ao lado de Nara, uma rara serpente branca e inteligente, Hunter vai perceber que no mundo, não existe lugar para dois assassinos."




*Blood & Soul é uma história fictícia. Ao retirar qualquer texto deste blog, por favor, dar os devidos créditos.